A dura luta em São Paulo

DOMINGO, 18 DE JULHO DE 2010
Esfinge ou Medusa da política brasileira

http://pedroayres.blogspot.com/2010/07/esfinge-ou-medusa-da-politica.html

Eleições e mitos políticos em São Paulo
Por Pedro Ayres
Jornalista
A campanha política brasileira entrou em sua reta final. Todos os partidos e candidatos se apresentam com propostas e projetos. Estado por Estado, região por região, o quadro político parece estar em processo de definição. Embora a grande mídia tudo faça para favorecer o candidato do PSDB, as mais sérias indicações precisam a provável vitória de Dilma Rousseff, da aliança popular progressista -PT, PDT, PSB, PCdoB. É um cenário completamente em desacordo com os desejos da elite empresarial e oligárquica brasileira, como se pode ver pela simples leitura dos grandes jornais e revistas, que, seguindo o roteiro traçado desde Washington, porfiam por outro resultado.
Para esses grupos, nacionais e estrangeiros, pouco importa se os seus planos redundarem na ruptura democrática do país. O que importa, a exemplo de Honduras e de todos os golpes de Estado propiciados pelo establishment estadunidense, é que haja a preservação e até o aumento de seus interesses na região ou no país.
Dentre os Estados brasileiros mais importantes, há um cujas características o colocam como fundamental, não para decidir o processo eleitoral, mas, para garantir o equilíbrio político-econômico federativo sem os óbices que existem até hoje. É o Estado de São Paulo. Um Estado rico, populoso, com a maior capacidade industrial instalada do país, mas, que, hoje em dia, por força de sua própria ação e dos efeitos da crise no seio dos países capitalistas mais desenvolvidos, está a sofrer os primeiros sinais de decadência.
Para o Brasil, como um conjunto federativo, São Paulo precisa ser rápido e celeremente integrado. O país precisa de suas estruturas universitárias e tecnológicas, de sua experiência produtiva e até mesmo do aprendizado com seus erros, para formar um Banco de Idéias, de Experiências e de Futuro, como base para um novo modelo desenvolvimentista. Um modelo em que as ilusões liberais ou neoliberais sejam abandonadas em prol de uma visão integrada de crescimento de país e latino americana.
O presente post é uma modesta contribuição para um debate. Um debate que poderá produzir um novo pensar e uma nova visão sobre São Paulo e sua relação com o Brasil. Não podemos nos permitir ver São Paulo, ora como uma cruel e enigmática Esfinge, ora como a predadora Górgona.
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No início do século XIX, com a independência do Brasil, São Paulo firmou-se como província e centro econômico-financeiro muito importante, convertendo-se em núcleo de atividades intelectuais e políticas. Algo que serviria como fortalecimento para a estrutura econômica oligárquica dominante em toda a província. Uma estrutura que, em um sistema de alianças locais e externas, irá conformar um forte setor terciário e base para o financiamento de setor secundário que estava embrionário. Concorreram também para isso, a criação da Escola Normal, a Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, a impressão de jornais e livros e o incremento das atividades culturais. No final do século, a cidade e a província passaram por profundas transformações econômicas e sociais decorrentes da expansão cafeeira em várias regiões paulistas, da construção da estrada de ferro Santos-Jundiaí (1867) e do afluxo de imigrantes europeus. Nesse período, a área urbana cresceu e surgiram as primeiras linhas de bondes, os reservatórios de água e a iluminação a gás.
O século XX, com suas manifestações econômicas, culturais e artísticas, passa a ser sinônimo de progresso. A riqueza proporcionada pelo café espalha-se na São Paulo “moderna”. Trens, bondes, eletricidade, telefone, automóvel, velocidade, a cidade cresce, agiganta-se e recebe muitos equipamentos urbanos como calçamento, praças, viadutos, parques e os primeiros arranha-céus. Eram os sinais do capitalismo que a iria dominar e determinar o pensar paulistano, ora pelo apelo a uma estética urbana européia, ora pela adoção da desordem vertical estadunidense. Enfim, havia a fantasia de que naquele cadinho de gente estava se construindo um país, não um simples Estado da federação. O centro comercial com escritórios e lojas sofisticadas, expõe em suas vitrinas a moda recém lançada na Europa. Enquanto o café excitava os sentidos no estrangeiro, as novidades importadas chegavam a Santos e subiam a serra em demanda à civilizada cidade Planaltina. Sinais telegráficos traziam notícias do mundo e repercutiam na imprensa local. Navios com produtos finos para a alta classe e repletos de imigrantes italianos e espanhóis rumo às fazendas ou às recém instaladas indústrias, eram sintomas de um mesmo processo, a expansão capitalista desenfreada e ambiciosa de tudo, principalmente de fortuna e poder.
Na década de 20, a industrialização ganha impulso, a cidade cresce e o café sofre uma grande crise, o Crack de 29, que não só iria depreciar essa riqueza paulista, como provocaria a quebra de alguns grupos financeiros. Um quadro negativo para àquelas famílias que quebraram, porém uma oportunidade para o enriquecimento de outras famílias e grupos econômico-financeiros externos. No entanto, a elite paulistana, freqüenta os salões de dança, assiste às corridas de automóvel, às partidas de futebol, às demonstrações de aeroplanos, vai aos bailes de máscaras e participa de alegres corsos nas avenidas da cidade. Nesse ambiente, surge o irrequieto movimento modernista. Um movimento em que um tipo de nacionalismo primitivista dá o ponta-pé no que chamavam de démodé, embora fosse quase que um eco da inquietação vivida em Paris e Nova York, que viviam os últimos resquícios das influências da Belle Époque, com a Art Nouveau e a Art Deco em processos de mudança. Era um nacionalismo mais ao estilo de um Marinetti futurista, mas preso aos grilhões da ascensão burguesa e com as ilusões de grandeza de sua atitude de classe.
No entanto, para comprovar que sempre há o novo em qualquer tipo de processo, é no bojo da oligarquia paulista vai surgir o político que, representando a transição entre o getulismo e o antigetulismo, terá grande força e liderança no Estado de São Paulo: Ademar de Barros. Com ele a política da elite paulista ganha um temporário aliado, pois, em termos de classe, seus interesses estavam entre os anseios de uma frágil burguesia nacionalista que ousava ser poder no seio do capital industrial e financeiro oligopolista internacional e entre os acenos de prosperidade material para a baixa pequena-burguesia e segmentos do proletariado. O interessante é que Ademar fazia parte de uma das mais antigas famílias da oligarquia cafeeira paulista, entretanto, talvez por ter sido um excelente médico e alguém muito preocupado com os problemas sanitários de sua região e país, tornou-se sensível ao que se poderia intitular compaixão para com os mais humildes e mais pobres. Assim, desde 1934 até a sua morte em 1969, Ademar de Barros foi um claro exemplo do comportamento vacilante da burguesia brasileira, às vezes ciosa de crescimento, às vezes mais servil que o próprio servo.
Entretanto, como a sua força crescia e parecia ultrapassar os limites do Vale do Anhangabaú, logo passou a ser hostilizado, dentro e fora do sistema oficial de poder. Um quadro que teria o interregno de 1945/64. De fato, durante todo o período de 1945 a 1964, o sistema político brasileiro foi dominado por um conjunto de partidos de expressão nacional que não tinham maiores raízes em São Paulo – o PSD, o PTB e a UDN. Assim quando Jânio Quadros encabeça uma eleição vitoriosa, ao marcar o inicio do fim do pluripartidarismo estabelecido em 1945, surge o sonho de uma liderança de massas, juntamente com uma concepção de poder centralizado no crescimento econômico do Estado e em certa visão modernizadora do Estado brasileiro, ainda que alegremente atrelado aos objetivos do capital internacional como iria defender FHC tempos depois. É nessa fase que surge Jânio Quadros, um pequeno-burguês que irá ser o paladino da burguesia no combate ao “populismo” neogetulista de Adhemar de Barros.
É com Jânio Quadros que emerge a maior liderança política de São Paulo – embora ele fosse natural de Mato Grosso – e que irá dar origem a um dos maiores fenômenos políticos do país – vereador, deputado estadual, Prefeito de São Paulo, Governador e Presidente da República – uma seqüência vitoriosa ininterrupta e marcada por um discurso moralista e de grande efeito retórico. Para a elite paulista e paulistana, o mato-grossense era um enigma, pois, embora significasse a destruição daquilo que eles consideravam nocivo, que era a ascensão política das massas, de certa maneira, mesmo em sua forma hiperbólica e gongórica de se expressar, em Jânio havia a raiz de um novo processo. Um processo em que se mesclavam pedaços de nacionalismo e de aumento da soberania nacional, a necessidade de uma nova “abertura dos portos” e de um novo tipo de alinhamento político internacional, com pitadas do mais puro reacionarismo e preconceitos pequeno-burgueses.
Tudo indica que Jânio, um típico produto do capitalismo transitivo entre a Europa e os Estados Unidos, por força das grandes guerras que alteraram o eixo do sistema, sentiu a força dos ventos descolonizantes antiimperialistas que assolavam o mundo naquela época. Na Europa, os Estados, pressionados por uma força operária cada vez mais numerosa, atuante e revolucionária como provou com a Revolução Russa, são obrigados a abandonar o liberalismo clássico e a adotar o que seria chamado de Estado Capitalista de Bem-Estar Social. Assim, embora para muitos seja visto como um conservador, Jânio representou um determinado instante histórico e político da pequena-burguesia, que ansiava por grandes feitos e o reconhecimento da humanidade.
Nos Estados Unidos, já recuperados da grande crise dos anos 30 e com o esmagamento das visões políticas de esquerda, por força de um Ascenso exacerbado do nacionalismo capitalista, as conquistas sociais coletivas são gradual e seguramente eliminadas da vida pública, que foram as marcas políticas de gente como Huey Long e Franklin Delano Roosevelt, tal foi à força catalisadora da Segunda Grande Guerra, dos seus efeitos propagandísticos, da rude dominação imperialista pela forte e desmedida ambição acumuladora. Era o tempo dos heróis e dos poderosos selves-made-men e raivosos tycoons industriais e financeiros. Um modelo que vai servir para definir o sonho paulista.
É importante notar que São Paulo viverá grande parte de sua história sob o sedutor acalanto do poderio econômico e de um especialíssimo destino nacional, em que, como uma vez disse André Gunder-Frank, São Paulo acredita que ele determina os rumos do país, apenas porque reproduz com as demais regiões brasileiras o mesmo relacionamento econômico que o imperialismo tem para com o Brasil. E é, pois, dessa matriz ideológica que a política paulista vai se nutrir e ficar quase que marginalizada dos processos políticos decisórios.
Esta “relativa marginalidade” de São Paulo não significava, evidentemente, que não existissem interesses paulistas representados no governo e que as demandas oriundas desses interesses não se fizessem presentes e não fossem atendidas. Mas, se São Paulo era e é realmente o centro de gravidade econômica e social do país, seria natural esperar que os interesses do Estado não se fizessem, simplesmente, presentes em termos nacionais, mas que dessem a própria orientação e comando ao sistema. Esse fato inegável, contraria todas as simplificações teóricas que traduzem a política em termos mecanicistas, o que faria dos governos brasileiros, por definição, simples representantes dos interesses paulistas.
Em política, graças aos boatos, às mentiras e as meias-verdades que vão sendo criadas ao longo do tempo, há figuras e fatos que têm suas dimensões superestimadas. Como nos processos de fabulação ou míticos, nos quais o objetivo é reforçar uma determinada característica moral ou prática social, geram-se heróis e situações tão críticas que só a providência de um herói ou a ação divina poderia resolver, pode-se dizer que são práticas ideológicas mantenedoras do status ou às vezes, segundo a imagística popular, expressões dos novos tempos. No Estado de São Paulo esse fenômeno pode ser identificado com muita clareza quando se olha para a memória política popular e o que é veiculado como verdadeiro pelos setores oligárquicos.
A história política oficial de São Paulo sempre foi muito vinculada aos interesses das oligarquias rurais, industriais e de serviços. O surgimento de líderes de massa era algo extemporâneo e quase anômalo. Enquanto perdurou o monopólio econômico e político da monocultura cafeeira, o eixo girava em torno daquilo que se chamava de a “política do café com leite”, que era a rotatividade do Poder Executivo entre as oligarquias de Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo, mesmo depois de adotada a forma republicana. Com a transformação econômica produzida pela industrialização e a sua aliança político-financeira com as oligarquias rurais, surgem os primeiros sinais de lideranças políticas que ultrapassavam os provincianos limites de seus pagos rurais ou urbanos.
A explicação para esse paradoxo reside no fato de que o sistema político brasileiro republicano e independente tem estado sob o domínio das elites regionais oriundas de setores deprimidos da economia nacional e dependentes do Estado nacional para sobreviver. As elites políticas desses grandes Estados economicamente subdesenvolvidos – Minas Gerais, Pernambuco, Bahia, para citar só os mais evidentes – não são “representantes” dos seus Estados, mas intermediários entre o governo central e as populações de suas regiões, intermediação da qual se alimentam e da qual vivem. Num certo sentido é a macro advocacia administrativa nacional.
Assim, a existência de um setor capitalista pujante e em expansão. como o que se criou em São Paulo, termina por constituir um estilo político totalmente distinto, baseado em mecanismos muito mais claros de representação de interesses econômicos e que tende a ser repetido pela aliança dominante. Ou seja, embora em menor escala, reproduzia-se uma administração política tal qual o modelo lobista da república estadunidense – e com isso um novo apelo de poder e de execução administrativa – impunha-se como uma extrema necessidade.
Assim, operando nesse hiato de poder e na esteira dos carismáticos e populares exemplos de Jânio Quadros e Ademar de Barros, surgem os seus seguidores e imitadores. Só que, segundo estudos dos professores Adriano Duarte e Paulo Fontes (http://lanic.utexas.edu/project/etext/llilas/vrp/fontes.pdf), o quadro político dividido entre o ademarismo e o janismo não tinha a simplicidade das políticas clientelistas clássicas. Num certo sentido estava inserto no mesmo quadro que se desenvolvia no mundo e em particular na América Latina e isso significava o fortalecimento do Welfare State, algo de difícil aceitação pelo novo poder imperialista surgido como resultante da Segunda Guerra Mundial. Mesmo com a ilegalidade do PCB e a demonização da esquerda, o imperialismo se ressentia de um poder político mais forte, centralizado e de grande apelo popular. Um problema que irá ser solucionado através das experiências políticas de siglas como o PDC, PTN, PST, etc., sendo que caberá ao PDC, por sinal o primeiro partido de Jânio, a responsabilidade de preservar alguns nomes, que como “reservas” morais e políticas, irão ter importantes papéis na estruturação do que hoje é a política paulista.
Na excelente síntese feita por Antonio Roberto Fava sobre os estudos de Duarte e Fontes, em que há ênfase na influência comunista sobre esses dois fenômenos políticos, é possível se vislumbrar o cenário que seria construído após o golpe de 1964.
“Talvez uma alusão à histórica Praça Vermelha da antiga União Soviética, a capital de São Paulo também teve a sua Praça Vermelha, reduto do Partido Comunista Brasileiro, no bairro da Mooca,zona Leste da cidade. Berço do sindicalismo paulista da primeira metade do século 20, alia força política e ideológica dos moradores era tão grande que nas eleições de 1947 o partido obteve 34% dos votos válidos, elegendo três dos quinze vereadores comunistas.
No entanto, naquele mesmo ano, o partido começou a dar sinais de fragilidade e de não resistir às pressões externas e à ilegalidade,decretada em maio daquele ano.Se antes a Mooca era um dos bairros mais importantes da cidade, a partir dos anos 50 passa por um processo de “desindustrialização” com o conseqüente abandono e degradação.Antes, porém, a Mooca detinha a maior concentração industrial, principalmente indústrias têxteis e de alimentos. Era um bairro que concentrava grandes populações de imigrantes italianos (maioria), espanhóis, portugueses e “hungareses” – como são chamados, ainda hoje, os imigrantes oriundos da Europa centro-oriental, russos, lituanos, ucranianos,iugoslavos e húngaros.
“Por conta dessa variedade de origens, a Mooca foi um dos bairros mais heterogêneos da cidade de São Paulo”, diz o professor de história Adriano Luiz Duarte,da Universidade Federal de Santa Catarina. Um exemplo disso deu-se com a criação, ainda em meados de1945, dos Comitês Democráticos e Populares, sob inspiração do recém-legalizado Partido Comunista.
O pesquisador explica que inicialmente esses comitês deveriam funcionar como núcleos para agregar simpatizantes e potenciais eleitores do partido. No entanto, com o envolvimento nas questões específicas dos bairros, rapidamente esses comitês se transformaram em referência tanto para os pedidos de moradores quanto à eletricidade, pavimentação,escolas, postos de saúde, quanto de centros de atividade social, onde eram ministrados cursos de alfabetização de adultos, corte e costura e marcenaria.
Seu imenso espólio organizacional era avidamente disputado por partidos e políticos locais. A Mooca, com quase 100 mil habitantes, era o bairro mais populoso da cidade de São Paulo, além de possuir o maior colégio eleitoral, com mais de 30 mil eleitores. Os maiores beneficiados com a “extinção” do PCB eram duas figuras conhecidas no cenário político nacional: Adhemar de Barros e Jânio Quadros.
“Adhemar havia montado com o seu PSP (Partido Social Progressista) uma sofisticada máquina partidária em cada bairro da cidade São Paulo. Possuía um diretório distrital, nomeando um juiz de paz e um subdelegado de polícia. Estes nomeavam os então chamados inspetores-de-quarteirão, de modo que todo o bairro fosse esquadrinhado e conhecido em minúcias”, explica Duarte, que acaba de defender tese no IFCH sobre Cultura popular e cultura política no após-guerra: redemocratização, populismo e desenvolvimento no bairro da Mooca,1942-1973, sob orientação do professor Michael Hall.
Segundo explica, essa azeitada máquina era capaz de mobilizar todas as atividades onde pudesse manifestar a sua influência, assim como conhecer todas as demandas e todos os descontentamentos da população do bairro. Além disso, toda a máquina clientelista – dos pedidos de emprego às demandas por melhorias urbanas – devia passar pelas instâncias do partido.
“O curioso é que, ao menos no bairro da Mooca, a máquina partidária do PSP foi criada a partir de uma série de organizações locais,como clubes de futebol, associações culturais,clubes de dança, entre outras atividades sociais. Quer dizer, o PSP se aproveitou da capilaridade dessas organizações e se constituiu como partido político operando de modo semelhante ao que já fizera, no recém passado, o PCB”, observa Duarte.
Jânio Quadros, por sua vez, iniciou sua carreira política como vereador em 1947. Iniciou sua trajetória política percorrendo os bairros mais distantes da cidade, colhendo seus problemas e suas carências e depois as apresentando na tribuna da Câmara. De 1947 a 1952, Jânio foi construindo sua imagem como uma espécie de paladino da periferia e, em suas andanças, seus principais interlocutores eram as chamadas Sociedades Amigos de Bairro.
Essas organizações, surgidas em cada vila da cidade, eram herdeiras diretas dos comitês democráticos e populares de inspiração comunista.“Ou seja, tanto o adhemarismo quanto o janismo cresceram no vácuo deixado pela ilegalidade do PCB, disputando e dando continuidade ao clamor de reivindicações da população”, explica Duarte. O janismo, por exemplo, consolidou suas bases operando por dentro das mesmas organizações já existentes do bairro – clubes de futebol, associações culturais das colônias e clubes de dança. A atuação de Jânio e Adhemar na Mooca revela que as condições específicas dos bairros da cidade eram decisivas para que se pudesse compreender o que se costuma denominar populismo. “Atribuir o sucesso eleitoral desses líderes populistas unicamente ao seu carisma pessoal, é,no mínimo, um equívoco”, diz Duarte.
Ambos se sustentavam por meio de sofisticadas redes de contatos com organizações locais que mediavam o seu carisma junto aos eleitores. O contato direto, a partir dessas associações locais com moradores do bairro, segundo Duarte, foi inspirado, evidentemente,nas práticas dos comunistas, com os quais disputavam espaço.
Verifica-se ainda que Adhemar e Jânio, a União Democrática Nacional (UDN) e o PartidoTrabalhista Brasileiro (PTB) também alcançaram expressiva organização no bairro da Mooca. Mas, de acordo com o pesquisador, a UDN nunca conseguiu ser muito popular,uma vez que era identificada como o “partido do fraque e da cartola”, como a denominavam.“De fato, não parece ser a composição social que diferencia a UDN do PSP ou o janismo; a diferença talvez estivesse num difuso sentimento de superioridade expresso pelos seus integrantes e, por conseqüência, na disposição de se envolver nas árduas disputas locais”, avalia o professor.Eram freqüentes as contendas, ainda que veladas, apenas na base da provocação. Nesse contexto, os opositores da UDN a rebatizaram de “Unidos Destruiremos a Nação”,ao que respondiam acusando o PSP de “Picaretas Sempre Picaretas”.
A relação desses políticos com moradores da Mooca foi reduzida a uma relação meramente clientelista em que a moeda de troca era o voto. “Essa interpretação é equivocada por dois aspectos: primeiro porque os moradores da Mooca jogavam com políticos negociando as suas solicitações, como melhorias para o bairro. A relação era uma via de mão dupla. Parte do sucesso de políticos como Jânio e Adhemar estava na negociação direta entre os políticos e as classes populares de bairros periféricos. (Antonio Roberto Fava – fava@unicamp.br)”
Com o Golpe de 1964, que realiza uma autêntica razzia contra tudo aquilo que pudesse representar uma ligação com o que acreditavam estar superando, há um fenômeno bem singular, que é a montagem de uma estrutura política que se via por e a partir de São Paulo. De início a ditadura chega até a se sentir incomodada com esses arroubos “autonomistas”, Porém, com o passar do tempo e com o maciço envolvimento de todo o parque industrial na consolidação de um tipo específico de política, logo há a confluência de objetivos. Objetivos que, em síntese, significavam a transferência das principais bases econômicas e financeiras nacionais para o poder das empresas multinacionais.
Nesse quadro, mais do que antes, era necessária a construção de um poder político regional tão forte que até pudesse se contrapor ao poder central. Como a ditadura fez questão de bipartidarizar a vida política, não porque desejasse simplificar o direito de opção dos brasileiros, mas, por precisar de alternativas à direita e até à esquerda, alguns políticos, cuja origem remonta aos anos dourados do janismo e do ademarismo, são logo guindados à posição de protagonismo, até porque defender a democracia como um fim em si mesmo era positivo e garantia popularidade.
É, pois, nesse período que surgem os políticos que irão fazer desenho final do que hoje existe. Franco Montoro, Plínio de Arruda Sampaio, Paulo de Tarso, por exemplo, são ramos do janismo democrata cristão. Mário Covas, é uma versão reciclada do janismo com tintas sociais e um pseudo endeusamento do que seja avanço técnico e científico em termos de administração e política. Se analisarmos a essência do pensamento político de Mário Covas, em que pese a sua formidável retórica sobre democracia, veremos que foi o que o sistema queria que fosse – a supremacia de tecnologia sobre o ser humano – tanto que o seu poderoso avanço político é concomitante à expansão neoliberal e às alianças que fará com setores acadêmicos cooptados para aquelas teses do “Consenso de Washington”.
FHC, Alckmim e José Serra, por mais que se esforcem em ter algum protagonismo, foram e são meros coadjuvantes ao grande ator- Mário Covas. Como Mário Covas, unia à tintura intelectual um fantástico poder de convencimento, que era a sua oratória, mais o forte apoio que a economia neoliberal lhe fornecia, através da concentração financeira em São Paulo, foi possível garantir a lógica do “despotismo esclarecido” e da dourada redoma paulista como bases ideológicas e de ação política até hoje. Desse modo, como o neoliberalismo é quase que a segunda natureza do paulistano e paulista, qualquer luta para alterar esse quadro político, antes de mais nada, necessita ter um só lema – trazer os paulistas e paulistanos para o convívio do país.
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Pedro Ayres
Jornalista

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